sábado, 21 de abril de 2007

Mário - Parte II

Mário ensinava português no Liceu Camões a alunos com metade da sua idade, com hábitos, relações e dizeres muito diferentes dos que tinha aquando dessa idade. Mas isso não o preocupava – fazia-lhe alguma confusão, é certo – tal era o prazer por ensinar, dar conhecimento a estes jovens que estavam sôfregos por tal, assim o desejava. Nas suas turmas sempre houve alunos problemáticos, menos educados e/ou agressivos que a média, mas nada o preparou até ao dia em que um o agrediu porque lhe tinha dado uma má nota num trabalho sobre Luís de Camões. Mário após esse incidente não mais conseguiu voltar a entrar numa sala de aulas. Ainda tentou mas a caminho da escola o ar começava a faltar; suava abundantemente das axilas; as mãos escorregadias pareciam deixar fugir a mala que carregava; a gravata era alvo de constante ajeitar; as pessoas pareciam olhá-lo directamente, indagavam com os olhos perguntas que não percebia; o chão flutuava e Mário só queria fugir daquele caminho e destino que o assustava, o deixava completamente inseguro de si. Nos primeiros dias ainda chegou à primeira aula, mas após poucos minutos de sufoco, desmemoriado e quase em pânico perante os seus alunos, acabava por dar a aula por terminada e fugia para casa, único sítio onde se sentia protegido de tudo e de todos, mas principalmente de si.

sábado, 7 de abril de 2007

Mário - Parte I

Mário tinha chegado há pouco tempo a casa de seus pais quando a campainha tocou. Uma das amigas de sua mãe tinha vindo fazer uma visita inesperada. Mário tinha tido o cuidado de preparar a visita, certificando-se que sua mãe estaria sozinha. Não queria cruzar-se com mais ninguém, não se sentia seguro na presença de estranhos, mesmo que fossem amigas de sua mãe de longa data, não conseguia falar com ninguém sem sentir medo de ser avaliado. Medo de sentir vergonha, medo de não saber explicar porquê, medo da reprovação e pavor do ânimo que lhe tentassem transmitir ao saberem porque estava assim, sem saber como ir buscar forças onde já sabia não as ter. Mas acima de tudo tinha terror de cruzar-se com o pai. Esse pai ausente na infância, que partilhou com o Museu onde era director, com as exposições, os conflitos com os funcionários do Museu e com os cortes orçamentais do Estado.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Somente

O silêncio ecoa na sala

Deslizam lápis, canetas

Abandonada uma mala

Pousadas umas lunetas.

A escrita que queremos, dar lugar à nossa voz

Há muito que nos perdemos

Há muito que me sinto só

Divago do sítio onde estou

Distraio-me com o papel

Perdi a noção de onde vou

A boca sabe-me a fel!

Mais um dia tão igual

Ao outro já passado

Na rotina do banal

Sinto-me somente abandonado

ECO

No meio da multidão
uivo a dor do coração
entrego a alma, empurrões
entrego o corpo, distracções

Ecoa em mim a revolta
Naquilo que espero de volta
Ecoa em mim o desespero
Não sei conviver em veveiros

esquecer de mim, não consigo
esqueci o que fui, porque contigo
ecoa em mim uma imensa tristeza
o meu sorriso foi-se perdeu a leveza

Mas continuo lutando, assim
porque por mais que me julgue no fim
a esperança vã que seja, aparece
e o meu coração aquece

Luto sozinha, somente eu
porque se é certo que és meu
jamais compreendes minha luta
esta luta tão filha da ....

por algo sem uma definição
por mim, para o fim da solidão
que me assola tantas vezes
em caminhos cheios de reveses

onde me perco na escuridão
onde choro com meu coração
rindo somente com meu rosto
e na alma arde, fogo posto

assim passa a minha vida
nesta carne, assim vestida
com alegria, dor e saudade
sempre em luta pela felicidade!

quarta-feira, 21 de março de 2007

O pequeno Elias - o cinema

Ao fim de semana quando vai ter com os filhos há sempre o eterno problema: onde ir? São velhos para o elefante que toca o sino, são novos para os copos de um bar, o Benfica não joga todos os fins-de-semana em Lisboa – aliás um filho é do Porto. A solução passa quase sempre pelo cinema. Mas outro problema se levanta: qual o filme? Ele gosta de filmes policiais, filmes com alguma acção, comédias e de ficção científica. Os filhos só gostam de filmes de teenagers com demasiadas hormonas aos saltos e menos sentido de enredo. Felizmente, nenhum gosta de dramas.
No escuro do cinema é habitual ouvir-se o som irritante de mãos dentro dos baldes de pipocas, do mastigar das pipocas por bocas pouco educadas e asseadas, do sorver das palhinhas dos mega copos de Coca-Cola, os urros da multidão entusiasmada com a suposta acção do filme. Tudo isto deixa a nossa personagem à beira de um ataque de nervos, só suportável pelos filhos. Também há filmes onde se ouve o roncar da personagem.